05 Olhos nas Penas


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Olhos nas Penas


Os pés, lamelares imbricam-se répteis escamas amarelas feito ouro opaco guardadas por espora córnea penetrante para horrendo corte, vacilam passos suposto donaire, lenta cautela é oval o corpo empenado, e majestosa a cauda abertas plumas de muitos olhos vigilantes da inveja que o vistoso de seu porte pavão engendrará. Tiara repete da cauda o ornato. Solene vira-se de novo em círculo passeia a formosura pelo quintal.
Triste tarde de Domingo.
Raphael de nascença sensível. Pretendia Joanna dos Anjos, sua mãe, balizá-lo Rivail ou Denizard, Álvaro quiçá imposto pelo claro da pele, Raphael nome archanjo ficou. Contempla a beleza pavão passageira: solene formosura altivo alternar dos passos, repente se vira, e o leque de olhos passeia, falsa indiferença, pelo arroubo que na cena aberto causa.
Alberga-se Raphael da calma vesperal sob caramanchel de madressilvas, as sombras ao balanceio da brisa. Assovio fininho alinha em colcheias o Capriccio Italiano nota por nota. Inexistentes senhos amores. Cai o seu desemparceirado amor no vão dessa triste domingueira.
Raphael, ourado Álvaro, sensível Rivail, escuta. O som sutil gemer e sorver, o jabuticabal suscita e Raphael quase Denizard escuta; a mais ninguém fere o som do pomar fluente.
As famílias, tantas, em busca da paz do recanto por eles devorada. Ruidosa molecada. Desordenada falação.
As jabuticabeiras, centenas delas crespas de vesículas pretas seivassugas a sorver sem parar os troncos gemidos de dor abafados pelos gritos dos moleques índios soltos na pradaria do quintal, em guerra machadinha de graveto na mão galopadas em pêlo de cavalos de pau, contra eles mocinhos valerosos cavaleiros, revólveres espoucam balas sem fim nem som feito cinematographia, bando tormento nas mães cuidosas de se não machucarem os filhos andam à roda aflitas, tumefacto pescoço estendido feito peru a gorgulhar vermelhidões. Raphael aguça o espírito. Afina cordas n'alma em busca do ulular transido de aléns: das bocas o chuchurreio sem parar o tronco a gemer.
: Aqui.
Entra a família.
: Aqui; disse a Mãe aos filhos.
O Pai vem lentos passos, afastado como a sonhar. Ao lado dele o filho dito teimoso garnisé distraído e o outro filho Meninico, mal chega, fixo olhar nos olhos emparelhados do Pavão na cauda e uma pena promete soltar-se.
: Aqui, a chacra dos Bertazzos; diz a Mãe rindo-se do que em árabe chacra pomar não quer dizer. Voz cristalina, dela as luzes se não entende o que diz é poesia o som. O bebê caçula ao colo, a mais velha com a irmã menor, de lado atarracada na cintura.
Não escapa de Raphael aura de evidente bravura iridescente na mulher que chega. Triste tarde de Domingo, na chácara Raphael à sombra das madressilvas, de frente ao jabuticabal, o pavão de alegres penas, contempla Raphael nas famílias que chegam a própria solidão.
Os Domingos, nas folhinhas marcados números em vermelho, domingos dos passeios depois do almoço de macarrão e carne, alface repolho e hortelã na salada de pão azeite e vinagre, o domingo é dia inteiro de vermelha alegria: rumo à chacra dos Bertazzos. Terão muito de andar, acostumados embora.
Trancou a porta? Mil trancas houvesse.
Sumidos da vista na virada da rua descida. Ninguém olha para trás.
Às caladas uma mulher. Posta-se frente à casa. Nada podem trancas de madeira contra a maldade. A mão levantada contra o céu reza maldições. Lança em cruz desbenedita terrorões de solos mortos sobre o telhado, portas e laterais. Um punhado do chão aos céus, pelas abominações. Da esquerda para a direita, pelas tinhas e podridões. Amém sobre a porta, clama miséria por gerações. Retira-se, a casa trancada. De hoje a sete dias aguardará calada.
O Pai na frente os outros atrás, chapéu na cabeça o sol por nuvem negra em cruz reversa coberto, descem até findar a Boiadeira, atravessa o rio ponte quase pinguela de muitos troncos e varetas amarradas de corda, muito mato ao derredor. Onde quem sabe a guabiroba é mais perto que as jabuticabas, de graça, apanho no pé e dou para todos teima o Garnizé. Anda moleque, a voz tremenda do Pai. Um tapa armado perde-se no ar.
Em corredeira mansa o rio, preto fluir, já fluiu verdes águas, pardo, claro azul.
Safanão certeiro em Teimoso por chacoalhar-se na pinguela e Meninico a salvo de apanhar, apesar de autor da brincadeira, mantida a prudente distância como sempre escapa dos tapas da corda do castigo.
Além da Adamasceno, colina gêmea da Boa Vista, subida inteira é a longe chácara das maduras jabuticabas, os donos Bertazzos são ricos de dinheiro embaixo dos colchões.
Na subida o Pai na frente, a Mãe logo atrás. Apressa o filho distraído. Teimoso ficaria por ali no mato enfiado à cata de guabiroba, não importa se azedas chupar quantas queira no pé.
Ninguém olha para trás. Da subida vê-se a torre da Catedral, na Cidade, tijolo a tijolo buscar o céu.
: Aqui, chegamos; diz a Mãe, o melhor vestido preto de sair, tinha bordado em folha de uva de vinho colorida, as miçangas brilhantes sobre o colo que há mais de anos cinco amamenta sem parar, filho filhos após.
Aura notável, não se cansa Raphael de bendizer. Os olhos dela passeiam maravilhados pela multidão de gentes a falar, todos ao mesmo tempo, a língua que mal compreende. Dá ao caçula o peito retirado debaixo da folha de uva com a experiente mão.
Os Bertazzos quando podem comem a própria carne, as unhas ao menos, pensa Raphael demorar esta chácara longínqua à caridade: Jabuticabas só em canecas, sem permissão de catar no pé; insistência é teima burra, não adianta tentar.
A filha mais velha, seu nome Querida, na fila canecas na mão descansa as costas de carregar a irmã menor, começando andar.
As confinadas jabuticabeiras, arame rico em farpas sem vãos. Jabuticabas, a família Bertazzo vende! murchem nos pés para alegria dos pássaros, apodreçam no chão para tristezas dos pobres: nem comem: nem dão.
Pretas brilham no tronco, se frutas para uns, martirizantes seivassugas sussurros de dor feridos n’alma de Raphael; as folhas ao vento sinfonia universal.
Meninico, onde vai o Pavão e a pena quase a soltar-se enamorado olho, lento caminha ele atrás. E atrás segue polícia um dos Bertazzos, velho andrajo vestido disfarça andar. Cada pena vale fortuna, na contabilidade da penúria renovo da usura. Pensa Raphael.
Sentada à sombra do caramanchel de madressilvas perfumado, a Mãe dá-se à boca rósea do filho menor. Tenta e Raphael não entende a longa explicação:
Vieram de longe, M’lhes e M’lia nossos nomes, viemos do além mar de navio, de trem subiram a serra e da Capital muitas horas a mais viajores, M’lhes mascate as malas nas costas meses pelas roças, quando escasso o dinar vendo bugigangas de porta em porta para o comer do dia-a-dia. Raphael interessa-se em comprar.
Arame farpas alfinetam brilhos ao sol e a cerca, e nela Prohibido Passar veta a delícia de arrancar do pé a jabuticaba preta. Lamentam Meninico e Garnisé dito teimoso e distraído, para quem delícias são as guabirobas azedas doces veludos carícias no céu da boca ao estalo da casca.
Quieto Meninico estuda na cerca uma fenda por onde o paraíso inicia seu chão. Mas contrasta a cerca sólido tapigo, com a casa tapera desabrigo. Demorada em sovinice construída. A miséria reforma rachaduras com amarradas de arame em estacas apoiadas paredes, telhado cobertos por retalhos de zinco e lata reinam os vãos, as janelas onde vidros agora papelão, a porta tábuas remendam tábuas, dentro quem viu enojou-se dos catres palha sobre estrado ensebados lençóis outrora vestidos e camisas alinhavados, bambos caixotes mesa ou cadeiras conforme convém, almoço sobra para o jantar em latão feito prato ou caneca, o cheiro condiz percevejos e as galinhas soltas pela sala além das lêndeas piolhos e o solo em chão batido por ali defecam cães urinam gatos. Rebrilha renovada cerca ao sol, no portão é fresca a tinta onde aguarde em fila escreve a sanha dos Bertazzos para quem usura precede usar.
Meninico não desiste, um olho na cerca outro no Pavão; nele meninico grudados os velhos olhos bertazzos andrajos vestidos. E Meninico doce, pensa alto que um pequeno puxão ajuda a cair o que a natureza vai daqui a pouco derrubar. Moleque, nem pensar; esfarrapada e rouca sentencia Velha Voz: se você arranca a pluma do Pavão ele morre de penar. Quando de uma se desfaz é que nova pronta já desponta como o definitivo ao dente de leite ocupa o lugar.
Então espero cair, de pronto pensa e cala o Meninico, pois já sabe que dessa Rouca Voz apenas senões há por vir.
Num quérulo sibilam as folhas das jabuticabeiras. Só Raphael escuta, e aura suave por elas não perpassa, antes circunda-as e alta veste as franças do arvoredo maior de ouro fluido rubi pó de prata e minutas vibrações assoviam de volta o Capriccio. Jabuticabal ninho da usura. Dizem dele esconder no antro de seu putrefeito solo em arca de flandres o dinheiro alimentado da miséria dos Bertazzos. E com o quérulo desprende-se saturno miasma resíduo das lágrimas que dos troncos deslizam, e maceradas no chão molhado as frutas rompidas cascas nos pisões são olhos que de dentro saltam.
Alheio vozerio. Dos moços em namorisco as moças rubejas, ronda o amor de sinais trocados rápido piscar lábios mordiscados e dedos mal se tocam consentidos. Disfarça Raphael o solitário coração a escutar das folhas o murmurejo gaio não fosse o baixo contínuo flente dos espoliados troncos: val lacrimal.
Alguém, à victrola manivela, amante da música faz descer das nuvens novos sons e anjos negros sopram trombetas convites para os braços aos céus elevarem-se em profana prece, clarins sinuosos serpenteiam cinturas e os tambores continuam-se nos pés, em tuti a orquestra ataca sincopado para o mundo bailar o jazz.
Névoa de pó na estrada rósea, reluzente carro a céu aberto a buzina solta os gritos de alegria, e lindas moças frágeis melindres, descem os joelhos à mostra, e numa delas a blusa cobre reta os seios delicadas saliências entre elas o colar falsas pérolas é jóia verdadeira a balouçar:
Olga.
Cessam os sons. Que: as crianças que até agora brincavam a cabra cega, brincam ainda. As bocas melindrosas abrem-se para sorriso de riso nenhum. Sem ruídos no cascalho arranhado das botinas. Os meninos, em doida cavalaria, seus revólveres soltam fumaça muda de tiros; e tombam os índios silenciosa morte para horror das mães as camisas sujas e os lábios movem veemente repreensão como os gestos o cenho de carregada ira cessados sons; para Raphael porquê:
Olga.
Scenacinema. Paralisados atos. Na tela da tarde, somente ela, calorosa, move-se estrela vespertina.
Olga.
Abre-se o riso, brilho e aragem, acena delicada mão. Perfumada boca. Reveste a pele finíssimo vapor. Talvez dela se desprendesse a aura, que linda nas árvores mais altas iluminadas cores sussurra para Raphael ser Olga casta carne alma espelho da sua, sendas solidões.
Gaios rapazes três, solícitos palheta na mão acorrem à sua chegada, e prontos para a corte esmerado servir doces sorrisos, nada falte à beleza que chega, mas o Pavão!
Meninico aguarda o presente do Paraíso em Plumas, mil olhos em multicor aberto leque. E os olhos das penas devolvem iridescentes os olhares maravilhados das gentes. Bertazzo de guarda. Airoso move-se avis rara na passadeira do fascínio.
: Ave da Fortuna; Olga encantada ouve Raphael. Aprendiz de alfaiate logo terá oficina própria; pois macchina das mais modernas que o século produziu, já tem. Fortuna é futuro construído de boas ações.
: Pavão de remoto oriente o uiramembi de mato grosso é pavó longínqua cópia.
Brilha esverdeado capuz feito saio a cair penugem pescoço abaixo. Nuança violeta. Laivos pretos. Lento move coroada cabeça a penugem feito saio leve roda: íris em arco acaricia a vista. Meninico no compasso de seu cadenciado andar. Vigilante Bertazzo vê sua propriedade ameaçada.
: Useiros e vezeiros da usura, diz Raphael.
A velha Bertazzo guardiã da cerca. Compradores em fila. Os filhos dela vão e voltam do jabuticabal, canecas cheias canecas vazias, os dedos ressequidos da velha conferem os tostões, soltos na caneca um por um a tilintar, a fala do ouro calmo som aninhado nas cavernas do ouvido.
Diz Raphael. Olga encantada: Jabuticabas a canecas, contadas cinqüentas ou quantas caibam sem chorar pelas bordas. Bertazzo pai Bertazzo mãe, Bertazzo um filho duas filhas Bertazzo. Paridos na mesma penúria. Vestidos em trapo com trapos remendados. Velho e velha entre si alinhavados os filhos envilecidos. Sua alma sua palma. Encarquilhada pele, pálpebras abertas de esgares vígeis, os lábios contam recontam passam perpassam a mealha de tostões, moedas desgrudadas por infindas matemáticas mussitadas. Ricos, tanto guardam quanto nada têm. A miséria vivida. Padecem esquecidos da fortuna. Pagas de passadas vidas. Enterrados seus ouros em cavos fundos no pomar úmido das lágrimas dos espoliados, são os troncos ossos que do solo afloram, braços feito galhos que aos céus erguidos por justiça inda hoje passadas vidas o sumo de suas almas preenchem os tostões, doce mel aprisionado em coriácea casca.
Mordida escorre sumo de mole frialdade; Olga retira-a rápida da boca e da fenda um olho esvaziado exibe indecisa pupila. Vai ao chão, pavimentado de folhas, companhia de muitas outras cascas rompidas.
Sobre esse tapete desfila o Pavão. Meninico imita gracioso o passo'a'passo. Acena-lhe a pena prestes a dar-se.
Olga espanta-se num quase-grito: Horrendos pés.
O Pavão, perfurados olhos, suas unhas bebem-se nos humores hialinos.
: Envergonha-se o pavão à morte, dono de tanta beleza construída sobre aleijão; deliciado discorre Raphael, Olga num trejeito de nojo estudado, escuta: Um monumento faz jus a uma base larga e sólida. Assim, se lhe deve Deus os pés, em seu lugar esculpiu uma base de pedras incultas.
É pavão estátua viva da própria beleza em pedestal feito garras.
Olga ri, e gira ao som do cascalhar. Giram juntos os falsos brilhos tantas voltas seu colar ciranda de pérolas desconhecidas do mar. Seguem seus meneios passos de valsa; não os cabelos curtos como no cinema em ondas marcados; não a saia do vestido justo como no cinema usam-no chinês abertos, para o escândalo, de lado; apenas os pés em valsar passeado delicados sapatos de salto em vidro Olga solta no ar.
Para o pavão é próprio ser agradável de ouvir o canto de quem belas plumas são colírios, diz Raphael e Olga fita o Pavão movimentos lentos. Fascínio a caminhar sobre pedestal ele vem glissando olhos. Ensaia corrida e corre e vôo baixo pousa-o solene divo em tronco de cortiça dourada contínuo de gorovinhas a subir até penugens prenúncio da beleza qu'estendida em arcos sucessivos tem na mata e horizontes por limite o céu em celagem monumental: abre o bico e o encanto se desfaz.
Bruto canto, rudo poema é estrídulo grito, malho em bigorna desafinado apito, risco de prego em granito. Fere tímpanos rasga semblantes té então extasiados em pedaços de caraças e facetados cenhos.
Ele não sabe que desagrada? indaga Olga, unhas cintilantes a premir as têmporas, franjas em arabescos na testa sem franzir, a boca escuro bâton como nas telas estrelas arfam desejos ela estala ui em bico.
Não, prossegue Raphael professoral: ele fecha os olhos para melhor encantar-se de que Deus a ele nada fez faltar; e não vê o nojo nas caras ouvintes estampado.
Olga de novo ri-se.
A seu riso retribui um sorriso a Mãe a fitar Querida na fila de canecas, cinco filhos não me queixo, diz ouvindo o canto do pavão.
Findo o canto, um choro de dor e susto. Aprendendo a andar, curiosa do mundo, a filha mais nova aproxima-se do fogo que entre pedras água s'aferventa em bolhas, e sobre seus pés derrama-se fervura.
Grita horrendo o Pavão, e salto brusco finca os dedos num tronco: é o susto que lhe desdobra a cauda. De pavor arvoredo recua um passo atrás.
Do alto reversa cruz de negra nuvem ao azul esfuma.
Não mais se desprende aura leve brisa do cimo das árvores copadas, sim desinquieta ventania; e ao grito do Pavão continua-se o choro a custo do caçula. Em sobressalto a Mãe Aflita guarda o peito sob a parra. Assopra do filho a boca, úmida e rosa da mamada, agora um filete de azulado afogamento afina os lábios. Cessa a pieira mas resta choramingo enjoado. Não é mais o mesmo filho, pressente a Mãe, confirma sensitivo Raphael, malfeitoria a revelar-se no arvoredo revolto, no odor pútrido do solo alevantado, nas jabuticabas esbulhadas de seus sucos eviscerados olhos rompida casca brilham as iniqüidades; e o Pavão recolhe as penas num chumaço protetor por saber-se fraco frente a tanta ira deflagrada.
Dá pé-de-vento. O chapéu no remoinho.
Coça-se o Pai, primeiro nos braços, esfoliam pele ressequida as desobedientes unhas, estrias sanguinas rasteiros caminhos do desepero, e pênfigos levantam-se bolhosos para rebentados soltarem viscosa molha. Tudo no silêncio cochichado de perguntar à Mãe, meu Deus M'hlia, que será de mim? Um inseto talvez, M'lhes, abelha do mato selvagem ferrão, cura com álcool e logo passa.
Não sabe a Mãe a que acudir: no menor desfigurado o choro, no Pai dolorido a vermelhidão coçeira dos braços atinge o pescoço e levantam-se furúnculos, na menina menor as queimaduras. Raphael presencia com horror a ruína na aura da Mãe as cores antes nítidas geometrias império de borrões, enxame de abomináveis da soledade advindos, malfeito invocado, a crespa do mal pelo vento soprada terra de cemitério e o Pai a crosta pele em arranhões, choraminga o caçula pressentem Raphael e a Mãe, a família não mais a mesma.
Olga, sua calma minha alma, gêmea encarnação de meus anseios.
Do jabuticabal agora pântano lodoso arrebentam-se bolhas trazidas das profundas os vapores fétidos dos que se recusaram invejosos deixar para os vivos as delícias de ter na boca o mel acetinado que Meninico procura, olho na pena da fortuna olho na cerca da fartura a fenda por onde seu corpo de menino cabe entrar. Ao meninico não afeta o miasma asfixia de todos. Corre alegre comunicar ao mais velho a descoberta do tesouro:
Zégarnisé; sussurra, a cerca não é só arame. Mais abaixo hibiscos fazem cerca viva. Para além da bela-emília. Vamos lá.
Zé cuidadoso do irmão não sabe precedê-lo a teimosia por fama. Hoje como nunca sua pele a dor irá sentir, surra de corda para aprender, pagará ,
: Você não, que é muito meninico. Se não houver perigo venho buscar você.
E foi, antes devagar saiu cuidadoso, mais distraído menos teimoso, e maravilhado entre as jabuticabas pretas pavonáceas de bugalhos sacados a sonhada guabirobas no pé verdes ao ponto fez valer a surra de corda à noite cada vergão o veludo no palatável; deixou-se ficar.
: Vamos embora; entrecortada voz diz a Mãe. Reúne todos e sumido garnisé: Joseph! chama o teimoso; mas ninguém sabe que onde ele está é um pomar de delícias a prendê-lo distraído sempre um pouco mais.
Alvoroço na chacra. Todos colocam-se em busca, a chamar. Os Bertazzos, apreensivos que afundado no pomar, incalculável prejuízo, quebram a vigilância da cerca e das penas. E assim, invade o povo a passagem prohibida para alegria maior das almas sofridas garante Raphael, as jabuticabeiras aliviadas de suas seivassugas incitam por aveludadas doçuras fiquem todos sempre um pouco mais.
Coração partido a Mãe quer de volta o filho. O Pai promete, na volta, corda no lombo sentida.
Esquecidos, o Pavão e Meninico entendem-se à maravilha. Num giro de graciosa precisão exibe-se só para ele em belíssimo nunca visto, uma pena destacada da outra rejunta-se em farfalhar de seda, um canto único de afinada carícia e tátil melodia. Solta-se um pena, e ao som cadenciado das plumas flutua fortuna aos pés descalços de Meninico agradecido:
— Para mim?


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Paulino Tarraf
Versão de 30/10/2007 sobre a versão de 04/08/2007 sobre a versão de 07/07/2004 sobre versão de 02/01/2003

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